sexta-feira, 26 de julho de 2013

Carl Sagan e o Relativismo Religioso como eu o vejo

Carl Edward Sagan (09/11/1934 - 20/12/1996) foi astrônomo, astrofísico, antropólogo, biólogo, astrobiólogo e escritor estadunidense, responsável por muitos livros de divulgação científica, talvez o maior deles junto a Isaac Asimov. E ainda contribuiu com as missões espaciais Pioner, Mariner, Viking, Voyager e Galileo, recebendo medalhas condecorativas pela Nasa.

É dele e de alguns colaboradores, nas missões Pioner 10 e 11, respectivamente lançadas em 1972 e 1973, a concepção de uma placa revelando a figura de um homem e de uma mulher, representando a espécie humana com a nossa posição em relação a uma estrela, o Sol, se caso essa pequena nave-robô for interceptada por seres extraterrestres. Hoje a Pioneer 10 está na constelação de Touro, por volta de 12-13 bilhões de km de nós, e as fontes radiativas para emissões eletromagnéticas com informações do cosmo já estão fracas demais para chegarem até aqui.

Em 1977, Sagan ganhou o Prêmio Pulitzer pelo livro "Os Dragões do Éden", uma obra tão avançada que reunia  antropologia, paleoantropologia, evolução, ciências da computação e neurociência para entendermos a evolução do nosso cérebro.

Foi também responsável pela série de TV "Cosmos", baseada em livro de mesmo nome e que se tornou o maior best-seller de divulgação científica pela língua inglesa.

Lecionou em Harvard e na universidade de Cornell. Cético, racionalista por excelência, Carl Sagan se declarou certa vez como agnóstico, e escreveu também sobre ciência e religião relacionadas. 

O livro "Variedade da Experiência Científica" - Uma Visão Pessoal na busca por Deus, é uma edição feita em 2008, pela sua última mulher, Ann Druyan, de nove palestras em que ele participou nas famosas Gifford Lectures - Palestras Gifford -, na Escócia. São encontros onde o tema é a teologia natural, um modo de se estudar a teologia não por experiências ou revelações místicas, mas sim pela razão e a experimentação.

No capítulo seis, "A Hipótese da existência de Deus", ele questiona certos aspectos racionais da existência ou não de Deus e foi aí que eu, ao ler esse capítulo, me deparei com ideias dele que tem a ver com o que escrevo sobre o relativismo religioso.

Então transcrevo abaixo, nas palavras dele, evidentemente, uma pequena parte do capítulo, onde marco frases e faço uma analogia com as minhas exposições sobre o assunto em diversos textos meus. 

“É grande a variedade de coisas em que as pessoas acreditam. Religiões diferentes acreditam em coisas diferentes. É uma caixinha de surpresas de alternativas religiosas¹. E claramente existem mais combinações de alternativas do que religiões, embora existam hoje alguns milhares de religiões no planeta. Na história do mundo, existiram provavelmente dezenas, talvez centenas de milhares, se pensarmos nos ancestrais coletores-caçadores, quando uma comunidade humana típica tinha cerca de cem pessoas. Naquela época havia tantas religiões quantos fossem os bandos de caçadores-coletores, embora as diferenças entre eles provavelmente não fossem tão grandes assim. Mas ninguém sabe, pois, infelizmente, não temos praticamente nenhum conhecimento sobre em que acreditavam nossos ancestrais na maior parte da história da humanidade neste planeta, porque a tradição do boca a boca não é a mais adequada, e a escrita não tinha sido inventada.

Assim, considerando essa variedade de alternativas, uma coisa que me vem à mente é como é impressionante que, quando alguém tem uma experiência religiosa que provoca sua conversão, é sempre para a religião ou para uma das religiões mais comuns em sua própria comunidade. Há tantas possibilidades... Por exemplo, é muito raro no Ocidente que alguém tenha uma experiência religiosa que leve à conversão para uma religião em que a principal divindade tenha cabeça de elefante e seja pintada de azul. Raro mesmo. Mas na Índia existe um deus azul de cabeça de elefante que tem muitos devotos². E não é tão raro assim ver imagens desse deus. Como é possível que a aparição de deuses-elefantes se restrinja à Índia e só aconteça em lugares onde haja forte tradição indiana? Por que as aparições da Virgem Maria são comuns no Ocidente, mas raramente ocorrem em lugares do Oriente onde não há tradição cristã pronunciada? Por que os detalhes da crença religiosa não ultrapassam as barreiras culturais? É difícil de explicar, a menos que os detalhes sejam totalmente determinados pela cultura local e não tenham nada a ver com algo de validade externa.

Em outras palavras, qualquer predisposição preexistente à crença religiosa pode sofrer poderosa influência da cultura local, não importa onde a pessoa tenha crescido. E, especialmente se as crianças forem expostas desde cedo a um conjunto específico de doutrinas, músicas, artes e rituais, a coisa fica tão natural quanto respirar, e é por isso que as religiões se empenham tanto em atrair os muitos jovens"³.

Comentários:
1 - Aqui está algo que todas as pessoas sabem. Mas neste blog, "O Relativismo Religioso - Como Eu o Vejo", (http://orelativismodasreligioes.blogspot.com.br), precisamente no meu artigo "O Relativismo das Religiões e o que Existe por Trás Disto", publicado em 19/03/2007, eu digo, logo nos primeiros quatro parágrafos, de uma circularidade patética se pessoas do Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo e Budismo, falassem, e sem precisar de detalhes, a cada uma delas de cada vez, sobre como são as crenças básicas de si próprias. Um cristão para um islâmico, deste para um hindu, deste para um budista e este chegando ao cristão. Imagine então se falassem de detalhes como ritos, dogmas e crenças.

O meio ambiente social cristão ensina aos seus filhos no que acreditarem e no que é certo e errado. E assim é com todos de todas as religiões, destas citadas por mim, de outras pelo planeta e aquelas que já não existem mais. Sempre foi assim e sempre será. 

O Deus cristão, o deus islâmico Alá, os muitos deuses do hinduísmo e a concepção mais filosófica do universo segundo o budismo são todos diferentes entre si e cada uma destas religiões julgam serem as suas verdades como absolutas e, as outras, pagãs, erradas. E há uma certa confusão entre o cristianismo e o islamismo, dizendo se tratar de Alá e Deus  como sendo o mesmo. Alá enviou mensagens ao profeta Maomé, através do anjo Gabriel, para que o livro sagrado, o Corão, fosse escrito. Já Deus é Pai de Cristo, sendo este o messias do cristianismo, e, para o Islã, Cristo é apenas um profeta em nível terreno, humano. Não se trata, de jeito nenhum, de um mesmo deus.

2 - Imagine se um cristão, aqui no Ocidente, dissesse que uma divindade aparecera para ele revelando como deveria agir, com a sua vida atual, conturbada por perdas materiais de extrema importância. Imagine então se ele a  descrevesse como sendo uma cabeça de elefante e azul! Vamos ser sinceros? Vamos ser verdadeiros? Seriam somente risadas, não é mesmo? O chamariam de louco, mentiroso ou ridículo. Aliás, todas as ditas aparições de santos, divindades, etc., que ouvimos falar desde as nossas infâncias, são de entidades cujas características são aquelas em que aprendemos em nosso meio ambiente social, ligadas ao cristianismo, ou seja, aparece somente aquilo que aprendemos. 

Aí está um grande exemplo de como as pessoas julgam o que acreditam, pois assim aprendem serem verdades absolutas, mas, se pensarmos melhor, são relativas, são de origens locais, ou, no máximo, que vieram de longe, mas obtiveram adeptos o suficiente para se perpetuarem no meio ambiente social delas.

Eu trato deste assunto em praticamente todos os artigos neste blog.  Tenho até dois, em especial, que se chamam "Neurociência e como se formam os valores religiosos em nosso cérebro" e "O meio ambiente social na formação das crenças religiosas", sem falar no meu texto principal, o início do blog, "Texto Introdutório: as bases de como eu vejo o Relativismo Religioso".

3 - Carl Sagan usa sabiamente a expressão "a coisa fica tão natural quanto respirar" para dizer da influência dos valores religiosos se forem ensinados às crianças, desde muito cedo.

No meu texto "Neurociência e como se formam os valores religiosos em nosso cérebro", eu digo: "Veja os valores religiosos: informações chegam a uma criança, no próprio meio ambiente social, às dezenas, centenas, sempre, como fatos absolutos da religião local e, quando ela as memoriza e passa a senti-las, levando-a a uma ação ao receber um estímulo, elas estarão definitivamente concretizadas em sua mente. Na verdade os valores ficam com a criança como memórias de emoção. No decorrer da vida alguns [desses valores] podem mudar ou não, podem se intensificar, etc.". Até falo em uma maneira natural que acontece com todos nós em nossos meios, mas, imagine então se as crianças também estiverem sob uma educação religiosa com professores, com pessoas capacitadas para o ensino da religião local.  

A força da educação, da cultura local é muito poderosa. Ela atrai, influencia, muda comportamentos, porque ninguém nasce com a religião de sua cultura na cabeça. Não é como, por exemplo, o instinto de sobrevivência, o medo, a agressividade, que são natos. 

Sagan foi muito corajoso em dizer "... é por isso que as religiões se empenham tanto em atrair os muitos jovens". Elas sabem da importância da educação religiosa para as crianças, tanto é que ele fala no trecho: "a coisa fica tão natural quanto respirar". Ou seja, com a cabeça "feita", está "feita" para sempre! Exceções não contam porque são raríssimas. Falo de populações. 


Bibliografia:


SAGAN, Carl. Variedades da experiência científica: uma visão pessoal da busca por Deus. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 171-172.

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